Antes de Partir

O empresário bilionário Edward Cole (JACK NICHOLSON) e o mecânico Carter Chambers (MORGAN FREEMAN) vivem em mundos opostos. Seus caminhos se cruzam quando eles dividem um quarto de hospital e descobrem ter duas coisas em comum: o desejo de passar o tempo de vida que lhes resta fazendo tudo o que sempre quiseram fazer antes de "baterem as botas", e a necessidade de aceitarem quem são.

Juntos, eles partem na viagem de suas vidas, tornando-se amigos ao longo do caminho e aprendendo a aproveitar a vida ao máximo, com inspiração e humor.
E assim eles vão cumprindo cada item da sua lista de desejos.



Há um livro do filólogo húngaro Karl Kerényi chamado "Dioniso: imagem arquetípica da vida indestrutível". O próprio título já denuncia Dioniso como um deus que representa o apego à vida. Isso é fácil de compreender se lembrarmos que ele é o mais humano de todos os deuses. Nascido de uma princesa, Dioniso viveu entre os mortais boa parte de sua juventude. Conviveu com a morte desde cedo, pois perdeu vários parentes amigos e amantes. Ele próprio viu-se por duas vezes nas garras às portas do mundo dos mortos: a primeira ainda sob a forma de Zagreu, quando foi devorado por Titãs, e a segunda quando sua mãe foi atingida por um raio de Zeus com Dionísio ainda em seu ventre. Ele não poderia ser outro, senão o deus que valoriza a vida e que vive ela em sua plenitude, justamente por entender o quanto ela é efêmera.

No filme, essa questão da efemeridade serve de ponto de partida pra uma jornada em busca da plenitude da vida. Quando os personagens recebem a notícia de que só têm, no máximo, um ano de vida, decidem fazer tudo aquilo que lhes faltava coragem, tempo ou disposição pra fazer. Uma espécie de saideira no grande bar da vida. Uma premissa bastante previsível até, mas que pode nos levar a interessantes reflexões sobre Dionísio.


Ambos foram aprisionados ainda muito jovens. Edward Cole, personagem de Jack Nicholson, comenta logo no começo do filme que "começou a ganhar dinheiro aos 16 e nunca mais parou". Ganhou uma fortuna e casou quatro vezes, mas se tornou um velho carrancudo que vivia unicamente para o trabalho. Carter Chambers, interpretado por Morgan Freeman, por outro lado, largou a faculdade depois que sua namorada engravidou. O filme deixa muito claro o potencial que ele tinha e que foi deixado de lado para que pudesse trabalhar em uma oficina mecânica a fim de sustentar a esposa e os três filhos. Um pelo trabalho, outro pela família, ambos viveram uma prisão sem grades por toda a vida (consultar textos de Alex Castro sobre as prisões). Nada mais natural que decidir enfiar o pé na jaca agora que eles não tinham nada a perder.

Nesse sentido, cada um oferece passa a oferecer aquilo que falta na vida do outro. Se tornam uma espécie de mentores nessa jornada dionisíaca de gozo da vida. Cole, extravagante, expansivo, exagerado e exaltado, representa a plenitude de possibilidades. Ele tem dinheiro suficiente pra fazer tudo o que der na telha. E o que são os deuses senão seres acima do mundo dos homens, capazes de fazerem o que bem entendem sem medirem as consequências? Já Chambers, sábio, tranquilo e espiritualizado, sabe valorizar as coisas simples da vida e oferece ao amigo uma compreensão mais ampla do universo. Ele degusta tudo que a vida oferece. E o que é a conexão com o divino senão um sentimento de profunda sintonia com tudo que nos cerca? Um representa o "tornar-se deus" (entusiasmo), enquanto o outro representa o "sair de si" (êxtase).

Citando a Wikipédia...

"Entusiasmo (do grego en + theos, literalmente 'em Deus') originalmente significava inspiração ou possessão por uma entidade divina ou pela presença de Deus. Atualmente, pode ser entendido como um estado de grande arrebatamento e alegria. Uma pessoa entusiasmada está disposta a enfrentar dificuldades e desafios, não se deixando abater e transmitindo confiança aos demais ao seu redor. O entusiasmo pode portanto ser considerado como um estado de espírito otimista."

"Êxtase, literalmente quer dizer arrebatar-se, desprender-se subitamente, sair de si, elevar-se (do grego ékstasis, pelo latim tardio ecstase, exstase), corresponde ao sentimento de prazer, expressão tanto utilizada para descrever o orgasmo como o transe, resultado da meditação, sendo que algumas religiões, a exemplo do yoga tântrico há relação do orgasmo com o êxtase religioso a ser aprendida. Referindo-se ao "transe" religioso pode ser também descrito como " consciência cósmica" (ampliada), "comunhão com a natureza"; "iluminação" e ainda vocábulos de religiões específicas como nirvana que, no budismo, significa paz, estado de ausência total de sofrimento.

Por se derivar de uma palavra grega (ékstasis) poderia se ter como padrão o transe profético e visões talvez causadas por inalações do vapor (etileno? ou dióxido de carbono de origem vulcânica?) respirado por Pítia a Sacerdotisa de Apolo do oráculo de Delfos ou e as experiências de possessão do culto de Dioniso e por extensão das religiões pagãs , utilizando a classificação católica que se distingue das não cristãs com seus transes associados ao jejum, orações, abstinência sexual e/ou auto-flagelação e exorcismos."


Não se trata de debater qual é melhor ou de escolher entre um e outro. Dioniso é deus do êxtase E do entusiasmo. As duas faces do deus são importantes formas de conexão com o divino. E o que é Dioniso se não o deus que permite a elevação do que é mortal à condição de divino, que torna humanos em Deuses? As duas são importantes pro exercício de uma vida plena, ou pelo menos plenamente dionisíaca. Então, meu amigo pacato, permita-se alguns excessos. E você, amigo empolgado, pare pra contemplar de vez em quando. A vida sob outro prisma pode ser transformadora.

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